terça-feira, 15 de abril de 2014

4 ANOS DE BLOG! ENDOMETRIOSE PRESENTE TAMBÉM EM TRANSEXUAIS!




Não é de hoje que discutimos a questão de gênero no A Endometriose e Eu. Se já achamos que somos um número crescente com cerca de 200 milhões de meninas e mulheres com endometriose no mundo todo, e que esse número é alto, eu sempre imaginei que esse número poderia ser muito maior. E não é que eu estava certa, pois nele não está incluso os transexuais. Transexual ou transgênero é o indivíduo que tem uma identidade de gênero diferente da de seu nascimento. Pois é, os transexuais tanto homem quanto mulher podem ter endometriose. O primeiro nasceu fisiologicamente mulher e, portanto, tem estrogênio no corpo, o alimento da endometriose. Já o segundo nasceu homem e, para para seu corpo ter forma de mulher, recebeu o tal hormônio feminino (o estrogênio). E é exatamente o primeiro caso que trazemos hoje para reflexão. Precisamos realmente parar e pensar por que a sociedade precisa levar a sério essa doença. Se já achávamos que somos muitas, agora, a partir deste texto, com certeza sabemos que o número é muito maior. Se nós, endomulheres, já somos incompreendidas, imagine como é difícil para os transexuais viver com endometriose. 

No relato abaixo, podemos ver bem como a expressão "endometriose: doença feminina" cai por terra. Já relatamos no blog casos de homem com endometriose, geralmente, aqueles que fizeram tratamento hormonal para tratar câncer de próstata (artigo 1) e (artigo 2). Com isso fica comprovado que a doença vai muito além de uma "questão feminina". Realmente precisamos parar e pensar com o cérebro, e este artigo, vai na contramão também da tal frase "doença da mulher moderna". Como essa frase machista e preconceituosa explica a doença em homens e em transexuais? A endometriose precisa ser levada a sério pelos governantes urgente,  e também pela sociedade. É uma doença social e de saúde púbica, sim! É muita gente sofrendo e a epidemia só está aumentando, e consequentemente, o sofrimento que todos que portam esta doença. O A Endometriose e Eu sai mais uma vez à frente ao contestar, desde 2013, essa frase. Já escrevi um artigo sobre "Endometriose:  doença da mulher moderna?" e o endomarido Alexandre também escreveu em "A Vida de um EndoMarido". Não sei quem inventou essa expressão, mas estamos cada dia mais certos que a endo cada vez menos é a doença da mulher moderna. Abaixo, mais uma história real, mas desta vez, a de um transsex homem portador de endometriose (é assim que devemos chamá-lo). Mais um texto para refletir e para pararmos de usar a ignorância ao falar sobre esta enigmática doença. Um beijo carinhoso!! Caroline Salazar

Endometriose e Transgênero: para além da saúde reprodutiva com base em gênero sexual.

Tradução: Alexandre Vaz
Edição: Caroline Salazar

A endometriose é uma doença ainda pouco compreendida, e pouco diagnosticada, mas que afeta uma parte significativa da população feminina. Tipicamente é classificada como uma doença ginecológica que afeta os órgãos reprodutores femininos ou a região pélvica. Existem claro, manifestações da doença que podem surgir em outras partes do corpo e que não possuem relação com a região pélvica, ainda que a endometriose seja comumente referida como uma doença feminina.

Existe um corpo de investigadores pesquisando mulheres com endometriose e as suas experiências de vida, bem como fazer para tratar mulheres com endo, do ponto de vista clínico. Mas o que acontece se a pessoa com endometriose não é uma mulher? Existem casos documentados de homens CIS (nota do tradutor: cisgênero significa alguém que se identifica com o gênero sexual com que nasceu) que apresentam endometriose na próstata, que geralmente é identificada quando os seus corpos recebem estrogênio (já contamos dois casos no blog – texto 1 e texto 2). Tenho a certeza de que existem outras formas de a endometriose se manifestar em um corpo masculino, mas a pesquisa existente ainda não é extensiva o suficiente para que possa comentar como desejaria sobre o número de homens CIS afetados pela doença.

Fora do universo binário de homens e mulheres afetados pela doença, existe uma população de transexuais que enfrentam vidas afetadas pela endometriose diariamente, cuja experiência com a doença não é alvo de pesquisa, e essencialmente são eliminados da comunidade global de portadores de endometriose. Não pretendo diminuir a importância da experiência das mulheres com a doença, que sofrem bastante para aceder a cuidados de saúde, tratamento médico e sistemas de suporte, contudo, acredito que é igualmente importante expôr a realidade do que significa viver com uma doença vista como sendo de um gênero sexual, quando não se pertence a um sistema binário.

“Tenho vivido com endometriose faz 13 anos. Foram 11 anos e 2 cirurgias antes de eu ter o  diagnóstico. Olhando para o meu caso, não parece diferente dos muitos que existem por aí, exceto que eu não sou uma mulher. Sou uma pessoa transsexual, navegando as águas desta doença vista como exclusivamente feminina. É difícil abordar esse tópico em uma comunidade que historicamente tem expressado uma ideologia muito centrada na mulher, deixando muito pouco espaço para criar uma abordagem mais inclusiva e descentrada de gênero, para uma doença que simplesmente afeta corpos. Não posso falar por todos os homens trans, pois cada indivíduo terá uma experiência muito pessoal com a doença. Isso não significa que não possam existir sintomas que se sobreponham, ou experiências transversais a qualquer gênero com a doença.

No geral, a minha experiência de conseguir um diagnóstico não é muito diferente da maioria das mulheres. Pelo simples fato que são realizados exames e mais exames, a quem são colocadas perguntas invasivas e opiniões forçadas de gravidez e histerectomia, ou remédios bastante potentes. Onde a minha experiência difere é na forma como cada um desses processos afetou a minha vida e a tomada de decisão sobre a endometriose. Uma das maiores dificuldades é conseguir acesso a tratamentos baseados nas necessidades específicas do meu corpo. Durante a fase de diagnóstico, escondi dos médicos a minha identidade transsexual por receio de me retirarem o acesso aos cuidados de saúde e tratamentos necessários. Já tinha dificuldade em responder a perguntas em torno da minha atividade sexual, já que as minhas experiências não correspondem ao questionário simplista de perguntas sobre penetração e de ter um homem CIS como parceiro sexual.

Em cada exame ou ultrassom eu tinha longas conversas acerca da possibilidade de ter sido abusada sexualmente, pois era demasiado desconfortável receber exames pélvicos e ultrassons transvaginais, que eu tinha de lutar para segurar as lágrimas, enquanto os profissionais de saúde forçavam os instrumentos dentro do meu corpo. Cada exame físico era uma invasão que eu sabia ser necessária, mas que não pertencia ao meu corpo.

No passado disseram para eu fazer uma histerectomia, simplesmente porque os médicos achavam que seria uma solução mais fácil para aliviar a minha dor. Recebi a mesma pergunta de várias pessoas que conheço, questionando porque eu não aceitava essa solução já que sou transsexual. A verdade é que eu simplesmente quero manter a minha fertilidade, como qualquer outra pessoa que deseja ter filhos no futuro. Ser transsexual não significa que não quero ter filho, ou que esse meu desejo seja menos importante.

Agora que os meus médicos sabem da minha identidade sexual, estou atravessando novos níveis de dificuldade na minha doença. Um novo conjunto de desafios e barreiras. Subitamente, uma simples alteração na minha identidade nos seus gráficos faz com que eles se perguntem se é legítimo que eu receba tratamento. O que antes era uma proposta normal para receber uma histerectomia, está agora sendo escrutinado como sendo um possível abuso meu sobre o sistema médico como parte da minha identidade. E não a minha longa luta com a endometriose, a angústia física, mental e emocional que tenho tido e que resulta de uma doença.

As minhas decisões sobre quais os medicamentos que escolho tomar, se aceito tomar algum, foram recebidas com grande debate. Tenho tido médicos que me falaram diretamente que não desejam me identificar como sendo transexual quando consultam colegas, por receio de que isso irá afetar os resultados dos tratamentos.

Em muitos aspectos eu tenho imensa sorte por poder trabalhar com os médicos que estão atualmente me apoiando na minha saúde, por mais que tenha sido uma longa batalha encontrar esses mesmos médicos. Escondi a minha identidade por um bom tempo enquanto lutava para receber um diagnóstico, mas nem todos têm a sorte de conseguir iludir o pessoal clínico durante o tempo suficiente para iniciar um tratamento. Existe um documentário sobre homens transsexuais com câncer ovariano, intitulado de “Southern Comfort” (Conforto do Sul), que documenta bem a luta bem real de alguns homens para acessar tratamento para uma doença em espaços identificados como específicos para mulheres, tais como um consultório de ginecologia ou clínica de ultrassom.

Conseguir apoio tem sido extremamente importante e uma parte significativa da minha capacidade de viver com a endo. Embora sinta frequentemente que tenho bom acolhimento no meu grupo de apoio local, geralmente sinto isolamento nas minhas experiências. As comunidades e grupos de endometriose gosta de se referir às portadoras como senhoras, moças, endoirmãs ou endoguerreiras, o que para alguém como eu significa exclusão. Eu sei que pertenço a uma minoria de pessoas com endometriose que não se identificam com esses termos, mas isso não faz com que eu não mereça pertencer, ou que a minha experiência com a doença não seja importante.

Penso que pode ser problemático unir o gênero a qualquer doença, já que o gênero está tão complexamente relacionado com construções sociais e sistemas de opressão, poder e controle. As doenças não conhecem as fronteiras dessas construções sociais. Tal como a endometriose já foi considerada como uma doença da mulher branca que faz carreira profissional, hoje sabemos muito bem que a endometriose não discrimina classes sociais, estruturas raciais e não consigo ver como poderá ser diferente acerca do gênero sexual.

Muitas pessoas que não se encaixam nos moldes de uma definição estabelecida podem facilmente ficar isoladas, marginalizadas, estigmatizadas e discriminadas. Numa comunidade de pessoas em que todas sofrem bastante por conta de uma doença debilitante, é de cortar o coração saber que alguém ainda possa ser marginalizado dentro dessa comunidade, como alguém que é “outro”, muitas vezes de formas sem qualquer intenção."

Inclusividade e acessos livres de barreiras para suporte e recebimento de informação beneficiarão a todos os que enfrentam a endometriose de alguma forma nas suas vidas. Ações que excluem criam uma comunidade enfraquecida, e podem levar a que se descurem aspectos importantes na pesquisa da doença. É minha esperança que, ao seguir em frente com a conscientização da endometriose, todas as pessoas afetadas pela doença tenham uma representação, e não sejam excluídas por linhas invisíveis.


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