segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

ENDOMETRIOSE - NÃO APENAS UMA DOENÇA REPRODUTIVA!!

imagem cedida por Free Digital Photos


Quando falamos em endometriose, muitas pessoas acham que sabe alguma coisa sobre a doença. De algum lugar sempre sai alguém que não entende nada e já vai logo metendo o bedelho: "Ah, tira o útero que você ficará curada" ou "Tira os ovários, o útero que você ficará livre da doença"... esses são apenas dois dos inúmeros comentários que ouvimos ao longo da nossa caminhada. Pois é, agora quando você escutar alguma dessas frases ou alguma outra, pede para essa pessoa entrar no A Endometriose e Eu para aprender um pouco mais sobre a doença. A tradução de hoje aborda exatamente a questão de a endometriose não ser apenas uma "doença do sistema reprodutor da mulher". Não adianta nada tirar os órgãos reprodutores e deixar focos da doença no organismo da mulher. Já contamos aqui a história da americana Candice, que teve endometriose em órgãos da pelve, e também, no pulmão. A capixaba Patrícia e sua endometriose no diafragma, assim como a portuguesa Fatinha. E, se você pensa que ter endometriose em órgãos distantes da pelve é algo raro, está muito enganado. Por isso é fundamental que a portadora tenha acompanhamento médico especializado, com quem realmente entende não só o que ela sente, mas sim, quem conhece muito bem os vários aspectos visuais da doença, ou seja, os vários tipos de focos e quem sabe como retirá-los em sua raiz, para que não haja reincidência no mesmo local. Leia o texto com atenção. Beijo carinhoso!! Caroline Salazar

Por doutora Phillipa Cook 
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Endometriose – não apenas uma doença reprodutiva

A endometriose é comumente entendida como uma doença do sistema reprodutivo, possivelmente devido ao fato de que um sintoma comum é a menstruação dolorosa, e que pode causar infertilidade. A verdade é que a endometriose não é apenas uma doença reprodutiva de fato.  Ela pode afetar os órgãos reprodutivos, mas ela também afeta normalmente outros órgãos como o intestino e a bexiga. Mais raramente, ela também pode afetar áreas fora da pelve como o nervo ciático, o diafragma, e os pulmões, e até mesmo o músculo da panturrilha. Além dos sintomas pélvicos específicos como a dor pélvica, a disfunção vesical e intestinal, e as relações sexuais dolorosas, muitas mulheres com endometriose relatam sintomas sistêmicos como fadiga e mal estar geral, e mulheres com endometriose têm uma incidência maior de doenças como doenças autoimunes, alergias, doença inflamatória intestinal, e até um risco pouco mais elevado de câncer de ovário. As relações entre a endometriose e outras doenças não são bem compreendidas.

Muitas pessoas podem estar familiarizadas com o fato de que a endometriose é causada por tecido localizado erradamente na pelve e que forma lesões, cistos e nódulos. Entretanto, dada a sua reputação como uma doença reprodutiva, muitas pessoas acreditam que a endometriose geralmente cresce nos órgãos reprodutivos – ovários e útero. Este não é o caso, e apesar das pesquisas que demonstram que os locais mais comuns da endometriose não são os ovários ou o útero terem sido publicadas há 24 anos, este entendimento equivocado ainda persiste nos dias de hoje, mesmo entre os médicos.

O Dr. David Redwine, pioneiro cirurgião laparoscópico da endometriose, publicou em 1989 um estudo sobre a distribuição da endometriose na pelve de acordo com a faixa etária. Este estudo descreveu as localizações da endometriose na pelve em 132 pacientes consecutivas que passaram por cirurgia. O local mais comum onde as lesões de endometriose foram encontradas, em todas as faixas etárias, foi o fundo de saco, que é a área atrás do útero, entre o útero e o reto. Em seguida, as áreas mais comuns foram os ligamentos da pelve (o ligamento largo, o ligamento útero-sacro, com o lado direito sendo mais acometido que o esquerdo). Após os ligamentos, a bexiga foi mais comumente envolvida, e o ovário esquerdo. Então o fundo do útero (a parte superior, oposta ao colo uterino), o cólon sigmoide (intestino), o ovário direito, e finalmente as trompas de Falópio, os ligamentos redondos, e a parede abdominal.

Este estudo também sugeriu que,  ao contrário do entendimento comum de que a endometriose se espalha por outras áreas da pelve com o passar do tempo, a endometriose na realidade não se espalha. As lesões de endometriose podem crescer e se aprofundarem, levando a sintomas mais significativos e potencialmente a lesão de órgãos. Entretanto, neste estudo, mulheres mais velhas não tinham mais áreas da pelve acometidas por endometriose do que mulheres mais jovens, o que seria esperado caso a endometriose se espalhasse com o passar do tempo.

O mais interessante deste estudo não são os resultados propriamente ditos, mas sim a constatação que 24 anos mais tarde, seus resultados e implicações para o tratamento da endometriose não foram incorporados à prática clínica diária por muitos médicos. Antes de tudo, a endometriose como uma doença multissistêmica requer expertise cirúrgica que muitas vezes vai além do que a maioria dos ginecologistas são treinados para lidar. E ainda, muitos ginecologistas que não têm as habilidades cirúrgicas para removerem a endometriose de áreas sensíveis como o cólon sigmoide ainda continuam a tratar pacientes com endometriose, ao invés de encaminhá-las para especialistas em endometriose.

Mais importante porém, a diminuição da endometriose como simplesmente uma doença do sistema reprodutivo parece levar à uma falta de entendimento dos sintomas debilitantes que ela pode causar. Estudos sobre a qualidade de vida das mulheres com endometriose demonstram que mulheres ainda continuam a sofrer com sintomas frequentes como dor crônica, que afetam sua qualidade de vida, mesmo após o tratamento para a endometriose. A dor severa da endometriose é menosprezada de uma tal maneira que as dores causadas por outras doenças não o são. Nancy Petersen, uma conhecida ativista da endometriose, e Diretora Fundadora do primeiro Programa de Ressecção Cirúrgica de Endometriose nos Estados Unidos, comparou a dor da endometriose à dor da apendicite aguda. Durante os episódios agudos de dor, os médicos frequentemente tratam as pacientes com Tylenol ou naproxeno – será que os médicos pensariam nessas medicações para tratar a dor de uma apendicite aguda? Por quanto tempo irá durar o sub-tratamento da dor da endometriose pelos médicos devido à percepção que ela é apenas “um problema de mulher” e que portanto não pode ser séria ou dolorosa?

Nota do Tradutor: Nós, médicos, tratamos a doença da forma como a entendemos, utilizando o melhor de nossos conhecimentos que nos foram passados. Mas quando entendemos a doença de forma errada,  também temos chances de tratá-la de forma errada.

Como bem colocado pela Dra. Phillipa Cook, entender a endometriose apenas como uma doença reprodutiva que é progressiva ao longo dos anos, e que é causada pela menstruação retrógrada, entre tantos outros, contribui para perpetuar os tratamentos ineficazes. Constatações claras e verídicas sobre a doença, como aquelas demonstradas por este estudo do Dr. Redwine há 24 anos, não são incorporadas às práticas médicas de muitos profissionais. Motivos para tal são vários, o principal talvez a crença messiânica de que a doença seria causada pela menstruação.

Faremos progressos reais quando disseminarmos as informações corretas e comprovadas sobre a endometriose. Nesse sentido, talvez as pacientes portadoras da doença, e a população geral, estejam mais avançados do que a própria classe médica.


Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

6 comentários:

  1. A mulher q já passou pela menopausa fica livre completamente da endometriose?

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  2. Boa tarde! Meu nome é Claudia.
    Estou com endometriose de diafragma, já fiz duas vídeo laparoscopia por causa de quatro pneumotórax e outros sintomas, como: derrame na pleura e ate um enfisema. só a alguns meses atrás o medico me pediu uma ressonancia da pelvis, onde foi entao constatado essa endometriose. Há um mes estou sentindo muito dor na panturrilha, agora lendo essa materia descobrir que tambem é causada pela endometriose. como tratar essa dor na panturrilha? por que a de diafragma ja estou com a cirurgia marcada. Desde já, obrigado!

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  3. Faço parte da turma de desinformados! Sem achei que era algo apenas no sistema reprodutor.

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  4. Uma dose de informação nunca é demais.

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  5. Me descobri com esta doença há pouco e encontro conteúdo esclarecedor, muito obrigada.

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  6. É muito sofrimento mesmo. E olha que sou homem, mas vi minha mãe sofrer com isso.

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